"Quando cheguei aos 30, me senti no auge"Agora, aos 31 anos, Pitty diz que sente a inflexão da curva, mas aproveita a experiência da idade para compor canções mais profundas, com temas como o fracasso, em seu novo trabalho, Chiaroscuro. A ÉPOCA, ela fala sobre o tom provocativo de algumas faixas: " Todo mundo quer ser bonzinho, ninguém quer opinar sobre nada. Falar a verdade causa conflito"
DANILO CASALETTI
Pitty e seus músicos "Eu queria fugir dos moldes tradicionais dos estúdiosA roqueira baiana Pitty está de volta com um novo trabalho. Chiaroscuro (claro e escuro, em italiano) é um disco, segundo definição da cantora, em preto e branco. Entre baladas e faixas mais pesadas, Pitty mostra que amadureceu ao tratar de temas como amor, fracasso e feminismo.
O disco tem com 11 canções, todas assinadas por Pitty em parceria com seus companheiros de banda (Joe, Martin e Duda), e foi gravado em um estúdio montado na casa de Duda, o baterista. “Eu queria fugir dos moldes tradicionais impostos pelos estúdios. Deu certo. O som ficou bacana”, diz Pitty.
Me Adora, a faixa de trabalho no CD, já ganhou um vídeoclipe. Seus versos a fazem parecer uma canção de amor: "Não espere eu ir embora pra perceber, que você me adora, que me acha f....". Mas a cantora não a traduz assim. “Não é necessariamente isso. É uma situação onde a pessoa foi vítima de calúnia e está desabafando”, afirma.
No mês de setembro, Pitty volta aos palcos para apresentar o repertório de Chiaroscuro. O lançamento oficial, porém, só deve acontecer em outubro, em shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em entrevista a ÉPOCA, Pitty fala sobre o trabalho em um estúdio “caseiro” e diz não ficar chateada que seu CD tenha vazado - tenha sido colocado para download gratuito - na internet. “Não adianta dar murro em ponta de faca”, diz a cantora.
ÉPOCA - Você deu um intervalo de três anos entre seu último CD e esse lançamento, que é um tempo relativamente grande para a indústria fonográfica. Por que esse intervalo?
Pitty - Não foi uma decisão. Foi uma circunstância. A turnê do disco Anacrônico durou dois anos, depois veio o DVD e os shows continuaram. Queria ter parado o ano passado para gravar esse novo trabalho, mas não deu. Mas isso não me incomoda. Para mim é sinal de que meu trabalho rende. Às vezes o artista lança um disco e só tem uma música para trabalhar. O Anacrônico rendeu vários singles. Isso me deixou satisfeita.
ÉPOCA - Para gravar esse CD, vocês equiparam um estúdio caseiro. Como foi essa experiência? Pitty - Foi maravilhosa. No começo foi tudo meio maluco. Quando a gente vai gravar em um estúdio profissional, tem um monte de regras. Os produtores querem os instrumentos separados, a guitarra precisa estar em outro ambiente para o som não vazar. A gente não teve nada disso. Gravamos todas as bases ao vivo. Tentamos fugir dos moldes tradicionais. Pensei: "Será que tem que ser assim mesmo, como todo mundo diz?" Fiquei muito satisfeita com o resultado final.
ÉPOCA - Nesse trabalho, você fala de temas mais densos, como decepção amorosa, o medo diante de algumas situações da vida, fracasso. Isso reflete uma fase mais madura da sua vida?
Pitty - É provável. Mas é inconsciente. É o tempo passando e a gente vivendo. Estou com 31 anos. Se eu pudesse, viraria vampira e parava agora. Mas não dá. A idade traz muita coisa boa também. Quando cheguei aos 30 anos, me senti no auge. Em todos os sentidos: físico, mental, financeiro. É uma fase plena. Mas também sinto que agora começa um processo inverso, a curva vai ao contrário.
ÉPOCA - Chiaroscuro, além de ser o nome do CD e de um método de pintura de Leonardo da Vinci, é também o nome da tela da artista Catarina Gushiken que ilustra o encarte. Ela pintou inspirada no CD?
Pitty - A Catarina é muita amigo. Chamei-a para pintar no estúdio, enquanto a gente gravava. O painel foi colocado dentro do estúdio. Disse a ela que o disco era preto e branco e ela começou a pintar. Ninguém ainda viu o quadro todo. A gente extraiu trechos e colocou no encarte. É uma obra grande, pintada em madeira.
ÉPOCA - Na canção Desconstruindo Amélia você retrata uma mulher que resolve, aos 30 anos, deixar um pouco a vida de dona de casa de lado e curtir a vida. Você acha que as mulheres ainda são muito submissas?
Pitty - Muitas são. Todas as minhas amigas têm esse conflito e sentem culpa por, às vezes, tentarem curtir um pouco mais a vida. Muitas tentam se livrar disso, que é algo tão antigo. As meninas brincam de boneca, que é uma preparação para a vida adulta. Enquanto isso, os meninos estão na rua, jogando bola, brincando de guerra. O maior conflito da mulher moderna é conseguir transitar entre todas essas obrigações e ser independente. As mulheres hoje trabalham fora, dirigem empresas, mas elas ainda são cobradas para cuidar da casa, dos filhos, das compras e ainda estarem lindas e maravilhosas para quando o marido chegar em casa querendo transar. Na música eu não tento resolver a questão, só tento descobrir quem são as mulheres de hoje em dia.
ÉPOCA - Na faixa 8 ou 80, você diz que se diverte mais com os culpados. Que tipo de pessoa a atrai?
Pitty - Todas as pessoas que são intensas, que têm vontade de ser, de curtir a vida, de fazer o que estão afim sem ficarem preocupadas com o que os outros vão pensar. Por isso, muitas vezes, elas levam culpa. A sociedade continua tentando levar aquela vida pseudocorreta e por isso enxerga esse tipo de pessoa como culpada.
ÉPOCA - Você tem fãs jovens e na faixa Todos estão mudos, chama atenção para uma certa imobilidade dessa geração. Você acha que os jovens de hoje não têm voz?
Pitty - Acho, mas não atribuí culpa a eles. Isso é fruto de tudo o que está aí ao redor. Essa geração nunca passou por grandes conflitos na política, por exemplo. Eles não viveram a ditadura, as Diretas Já, o impeachment de um presidente. Nada fez com que eles se mobilizassem. Eles se preocupam com coisas mais leves.
ÉPOCA - Mas agora estamos vivendo a crise no Senado. Nenhum jovem foi às ruas protestar...
Pitty - Pois é. Poucos se mobilizam. As pessoas perderam a vontade de brigar por certas coisas. Talvez por preguiça ou por acharem que nada vai mudar. Mas essa imobilidade abrange uma questão comportamental. Todo mundo quer ser bonzinho, ninguém quer opinar sobre nada. Falar a verdade causa conflito, não tem jeito.
ÉPOCA - Os artistas também tendem a ser politicamente corretos com medo de uma repercussão negativa em suas carreiras. Você não tem essa preocupação com o que possam pensar de você?
Pitty - Não. A minha preocupação é como vou me sentir e se essa opinião vai afetar as pessoas que amo. Sou o que sou. E as pessoas que estão comigo também precisam entender que sou assim, caso contrário também não as quero perto de mim. Não tenho empresário ou assessor que diz o que posso ou não falar. Nenhum deles ousaria fazer isso.
ÉPOCA - Você estabelece um contato direito com seus fãs no seu blog e no seu Twitter. Essas ferramentas, de alguma maneira, influenciam seu trabalho?
Pitty - Elas ajudam o trabalho, mas não o modificam. Elas ajudam que esse trabalho chegue mais perto das pessoas. É uma comunicação sem intermediários.
ÉPOCA - Seu CD já vazou na internet. Você fica chateada com essas coisas?
Pitty - Não. É a nossa realidade. Não dá para ficar dando murro em ponta de faca. Eu, por exemplo, escutei no novo CD do Arctic Monkeys que vazou na internet e não tem nem data ainda para ser lançado. Mas sei que, quando o disco estiver nas lojas, vou comprar. Sou do tipo de pessoa que gosta de ter fisicamente os discos das bandas que admiro. Mas só posso falar por mim, né?
ÉPOCA - Acha que a indústria está longe de encontrar uma solução para a pirataria?
Pitty - Com certeza está mais perto do que antigamente. Mas não sei de isso vai ter fim. O que me animou foi essa proposta que foi votada na Câmara dos Deputados nesta semana (a Proposta de Emenda Constitucional da Música, aprovada nesta quarta-feira, dia 5) a favor da redução de imposto sobre a venda de CDs e DVDs. Isso é ótimo! O que engorda a pirataria é o fato de esses produtos custarem caro. Tem gente por aí ganhando salário mínimo. Não dá para tirar R$ 20, R$ 30 para comprar um CD. Se a gente consegue reduzir o preço, é um argumento a mais para você chegar para as pessoas e dizer que agora elas já podem comprar o CD na loja, e não uma cópia mal feita na rua.
FONTE:
ÉPOCA